Ultra Fiord 70k: mais que uma corrida de montanha, uma grande experiência de vida

Um exercício de autoconhecimento físico e mental. Foram 10 horas e 33 minutos de prova ininterruptas num lugar inóspito, congelante, com subidas e descidas íngremes, muita lama e riachos a serem vencidos.

Em vários momentos apreciei as belezas da Patagônia Chilena, mas também me deparei com barreiras quase intransponíveis, onde seguir adiante era, sempre, a única alternativa.

Dia da prova: 15 de abril de 2016. Largamos às 10 horas diante de um frio suportável de 12°C, vento intermitente e um sol que somente confortava pela sua luz. Foi o único momento “quente” da prova, pois a temperatura caiu para 7°C, e logo depois 2°C, com rajadas de ventos em alguns momentos, o que ampliava a sensação de frio.

Os primeiros 14 km até o primeiro ponto de controle (PC) foi marcado por longas e fortes subidas e descidas, com um terreno sempre úmido e fofo. Mas o que viria adiante era ainda mais extremo: nos 8 km seguintes (até o quilômetro 22) tudo mudou. A temperatura adormeceu os dedos e o nariz e as subidas eram tão íngremes que nos obrigava a apoiar as mãos no chão. Houve um momento em que levei 24 minutos para percorrer 1 km. Inacreditável aquela subida!

Mais adiante entrei numa vegetação diferente, ainda mais fria, até atingir um dos pontos mais altos da prova. Lá, encontrei um novo PC num descampado. Já estava na prova há 4 horas e havia percorrido apenas 26 km.

Obviamente eu estava bastante cansado e com muito frio. Os ventos e a neve nem eram mais evitados, pois o meu rosto já estava dormente. A paisagem era linda, mas também assustadora. Eu sabia que correria, a partir dali, num percurso congelante, mais técnico, com pedras grandes e soltas e inclinações laterais por longo tempo. Sabia também que o trecho não recomendava paradas para evitar o resfriamento excessivo do corpo.

Aos 30 km e quase 5 horas de prova, certamente no trecho mais complexo, me lembrei do colo dos meus pais. Foi um momento emocionante, pois eu estava mais sensível, porém atento para não perder a concentração na passada, mantendo a corrida constante. Também estava um pouco cansado da força do vento e do terreno muito acidentado e com uma longa inclinação lateral.

Ao final desta passagem pelo glaciar, um pouco antes dos 35 km e 5 horas e 40 minutos de prova, passei por um declive muito acidentado. Acreditem, foram quase 20 min para percorrer 1 km e com muita lama escorregadia e gelada. Foram infinitos tombos de bunda no chão. Para ampliar o desafio, atravessei um riacho para lavar as pernas e acabar de congelá-las. Uma verdadeira crioterapia!

Diante deste cenário, onde subidas e descidas muito íngremes surgiam do nada, segui até o quilômetro 42 e exatas 7 horas de prova. Ali me carimbei como ultra… Sonho realizado! Os próximos 8 km, até atingir os 50 km foram feitos em 1 h. Muitas subidas, lama e musgos marcaram o trecho, ou seja, não tinha moleza nesta prova. Correr nos musgos é igual correr na cama elástica. A passada não desenvolve e existe certa dificuldade de impulsão.

Logo depois, às 18h30, a noite estava chegando e eu procurei aumentar a velocidade para correr ao máximo na luz do dia. Não parei mais, evitei os alimentos de difícil acesso na mochila e, dali até o final, segui muito confiante, forte e mantendo o pace médio de 7 minutos por quilômetro bosque a dentro.

Por volta das 19h, já um pouco escuro, parei brevemente para colocar minha lanterna de testa. Para minha surpresa: eu a havia perdido em algum dos trechos difíceis que passei. Paguei à vista o custo desta falha, pois a escuridão tomou conta rapidamente do caminho e por isso levei mais alguns tombos.

De repente, avistei adiante dois corredores iluminados e, mesmo com dificuldade para enxergar, aumentei a passada e os alcancei. Foram meus anjos da guarda. Iluminaram meu caminho até o fim. Um belo espírito esportivo e um esforço a mais para mim, afinal eles eram rápidos, pois faziam a prova dos 50 km.

Assim, cruzamos a linha de chegada às 20h33 daquela inesquecível e congelante sexta-feira. Pessoalmente, uma mega conquista! Me senti reconhecido por ser um dedicado sonhador entre gigantes, afinal se encontravam ali grandes nomes de corredores mundiais de montanha.

A natureza também mostrou sua força com a triste notícia do falecimento de um experiente ultramaratonista mexicano na prova, possivelmente, por hipotermia. Isso foi muito lamentável e tirou parte do brilho do evento de premiação.

Toda a experiência que vivi foi uma grande experiência de vida e certamente me tornou uma pessoa ainda mais serena, paciente, confiante e respeitadora. Acredito que tomei as decisões certas nos momentos mais difíceis. E que todo o meu esforço e os 1.200 quilômetros de preparação valeram a pena.

Obrigado a todos que me apoiaram e que torceram por mim, especialmente a minha querida família, Fernanda, Yann e Bernardo; a Aqui é Roots BH, em nome do Paulo Santos e sua bela equipe; ao Caco Fonseca, diretor técnico da Aqui é Roots Brasil; ao Daniel Lima, meu amigo nutricionista; a Raquel Vasconcelos, competente massagista esportiva; ao ilustre Dr. Cimas Eustáquio, reconhecido ortopedista esportivo; e ao Vinicius Unsonst, meu preparador físico.

Que venham, os novos desafios da vida!

[CBHC] #D4 Parque Lagoa do Nado

No quarto dia de missão do projeto Conhecendo BH Correndo, encarei um percurso um pouco diferente. Seguindo a onda das provas de aventura e montanha,

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