“Vá para calçada!”. Difícil lembrar quantas vezes ouvi essa frase pelas ruas do bairro Jardim América, a minha primeira pista de corrida na capital mineira. Em Belo Horizonte, há quase duas décadas, dividir o espaço das vias com os corredores de rua ainda era uma novidade para os motoristas, restando aos atletas conviverem com a falta de compreensão e a pouca gentileza dos condutores.
Essa era apenas uma das barreiras de quem corria em 1998, ano em que decidi me aventurar nesse esporte. Naquela época, também não existiam as famosas assessorias esportivas, responsáveis atualmente pelo treinamento de milhares de pessoas na cidade. Além de não poder contar com bons equipamentos de corrida, que eram limitados e pouco disponíveis no mercado.
A verdade é que não foi nada fácil iniciar nas corridas. Passei pelas mesmas dificuldades da maior parte dos corredores: encontrar uma brecha na rotina profissional e familiar, abrir mão de algumas horas de sono para conseguir correr, mudar a rotina alimentar em prol de maior disposição para os treinos e, finalmente, vencer o excesso de peso. Apesar de nunca ter sido muito obeso, meus 96 kg daquela época e uma pressão alta diagnosticada aos 24 anos reforçaram minha determinação pela corrida de rua. Recordo bem o sacrifício e o prazer de completar os meus primeiros 10 km numa prova do extinto Banco Real realizada no Parque Municipal.
Dezessete anos desde a minha estreia foi tempo suficiente para que a paixão e o respeito pela corrida superassem os obstáculos e assumissem posição de destaque na minha trajetória. Treze quilos mais leve e depois de inúmeras provas de 10 km, 10 milhas, meia-maratonas, corridas de montanha e três maratonas, chegou a hora de enfrentar o maior dos desafios: completar uma ultramaratona com elevação total superior a 3.500 metros.
Serão setenta quilômetros em meio a bosques, lama, travessia de rios gelados, pedreiras e picos nevados. Tenho me preparado físico e psicologicamente para encará-los. Os treinamentos para a Ultra Fiord, na Patagônia Chilena, Província de Última Esperanza já começaram e, a convite da Aqui é Roots, dividirei com vocês cada passo até o dia da prova, em abril de 2016. Vou compartilhar com vocês a decisão de encarar uma ultra, a preferência pela Ultra Fiord, minha estratégia de preparação, minhas conciliações com o trabalho e família, a programação de treinos, minhas expectativas, enfim, todos os detalhes que envolvem a preparação de um corredor amador, uma pessoa comum, para a sua primeira ultramaratona.
Termino esse texto de estreia com uma citação do Nuno Cobra, escritor e preparador físico respeitado, pelo qual tenho grande admiração: “Movimento é a essência da vida”. Levo essa frase comigo e com ela vou rumo aos desafiadores 70 km, garantindo ao meu corpo e alma a chance de se organizarem e de se manterem regidos como numa orquestra, com o movimento apropriado ditando seu trabalho sincronizado.
Adotar hoje a corrida de rua como parte da minha vida é a certeza de desejar e contribuir por um futuro repleto de saúde, harmonia, lucidez e equilíbrio. Espero que gostem dos textos e que eles te inspirem a superar os seus limites, sejam eles quais forem.